Textualidade Vivas:
Todas as semanas nesta nova rúbrica um texto, um excerto, uma amostra de um criador, de preferência vivo, e próximo de nós.
Spabilanto – Fátima Vale
Estar vivo pode ser ilegal
"Ó século sem crença! Ó Fausto
Que pretendes vender-te em holocausto
Por um raio de luz!"
extracto do poema Trevas, Gomes Leal
expor o código sináptico na noite absoluta
ermo da cegueira
onde a voz é o falo pluriforme
que instiga à formulação dos corpos
à fertilidade do fogo novo
tropeçar na fuga clandestina ao cosmos
e cair na tina lamacenta do sistema
onde se rasga a tortura do código
no escuro do abismo
na vertigem do rodopio desintegrado
o néon diz que a vida é humilhante
lavrar o betão nas ruas desertas
implorar a camisa e a força
o fruto e a semente
condenado à vida pela lei da escória
tudo punível pelo princípio da raiva
grito alienado do vadio sem abrigo
arrancar a pele no precipício do desejo
e arrastar-se envolvido pelo sol
por entre contentores de cadáveres
por entre modas estranguladoras
do impreciso
lugar incerto da inocuidade empreendedora
sólida aleatoriedade
olimpíada do cárcere encoberto
que serpenteia a inexistência
lambendo o vinho que verte do cálice
lambendo a ferida perpétua
do sempiterno rumo
à poeira cósmica
ao rodopio sem fome
na ausência quebrada da luz
resguardo no túnel da noite
sob o cartão do abandono
desvio perseguido pela miséria
catastrófica da massa obesa
que apodrece fausta sobre a terra
o néon afirma o esmagamento do cárcere
que habita no cadafalso restante
corpo cela solitária
adormecido pelo gelo da morte
no cemitério urbano
psicopata umbilical
no telegrama de barro
da segurança social
incompatível com o sangue
coagulado na memória do futuro
sincopado dentro da ferrugem
de um cofre submerso
estar vivo pode ser ilegal
fátima vale
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