quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Textualidade Vivas

Textualidade Vivas:

Todas as semanas nesta nova rúbrica um texto, um excerto, uma amostra de um criador, de preferência vivo, e próximo de nós.

Spabilanto – Fátima Vale
Estar vivo pode ser ilegal


"Ó século sem crença! Ó Fausto 

Que pretendes vender-te em holocausto 
Por um raio de luz!" 
extracto do poema Trevas, Gomes Leal

expor o código sináptico na noite absoluta
ermo da cegueira
onde a voz é o falo pluriforme
que instiga à formulação dos corpos
à fertilidade do fogo novo

tropeçar na fuga clandestina ao cosmos
e cair na tina lamacenta do sistema
onde se rasga a tortura do código
no escuro do abismo
na vertigem do rodopio desintegrado
o néon diz que a vida é humilhante

lavrar o betão nas ruas desertas
implorar a camisa e a força
o fruto e a semente
condenado à vida pela lei da escória
tudo punível pelo princípio da raiva
grito alienado do vadio sem abrigo

arrancar a pele no precipício do desejo
e arrastar-se envolvido pelo sol
por entre contentores de cadáveres
por entre modas estranguladoras
do impreciso
lugar incerto da inocuidade empreendedora
sólida aleatoriedade

 olimpíada do cárcere encoberto
 que serpenteia a inexistência
 lambendo o vinho que verte do cálice
 lambendo a ferida perpétua
 do sempiterno rumo
 à poeira cósmica
 ao rodopio sem fome
 na ausência quebrada da luz
 resguardo no túnel da noite
 sob o cartão do abandono
 desvio perseguido pela miséria
 catastrófica da massa obesa
 que apodrece fausta sobre a terra

o néon afirma o esmagamento do cárcere
que habita no cadafalso restante
corpo cela solitária
adormecido pelo gelo da morte
no cemitério urbano
psicopata umbilical
no telegrama de barro
da segurança social
incompatível com o sangue
coagulado na memória do futuro
sincopado dentro da ferrugem
de um cofre submerso
estar vivo pode ser ilegal

fátima vale



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