sexta-feira, 15 de março de 2013

Oficina de Escrita Criativa - Duas Histórias


Oficina de Escrita Criativa - Duas Histórias

Durante a Oficina de Escrita Criativa, realizada no passado mês de Fevereiro, resultaram alguns exercícios de escrita criativa, bastante interessante, realizados em grupo. Tempo é agora de os publicar. Espero que gostem, são por enquanto os duas histórias da minha autoria que passo a mostar-vos. 


Poeira primeira do dia

Poeira, primeira do dia, vinda do leste, acompanhada do sol. Temos os punhos e os pés numa profundidade mineral, como aquele carrasco que roubou das rochas a sobrevivência. Pensei que ao fazer calor fosse mais fácil. Agora não. Se o sol entrasse em mim. Mas não, aqui no promontório rebenta ainda a primeira luz. No rio, a água vai assustada. Espero mais um pouco pelo halo superior.

Desnoiteceu, e os rurais vão encarreirados, até chegar à ariadne muito fio falta dobar. Desaparece, desfalece na atmosfera o orvalho esganado com os primeiros golpes do sol. Rebenta um cano de escape, um trotar dos cavalos mecânicos que interrompe a écloga nos socalcos.

Augusto ficou para trás da equipa. Plantou-se enquistado nas parras. O homem era tumultuoso e madrugador na bebida. Tinha posto o pé na terra ontem vindo de Lisboa. Todos os anos secretariava várias vindimas, não era um meritocrático do trabalho, apenas secretariava as vindimas. Mas assim como recolhemos a casa todos os fins de tarde, Augusto voltava da capital onde vivia recolhido nos cartões, ou navegando à vista dos supermercados; caçava esmolas, e agregava-se juntos dos sem abrigo. Um errante sui generis.

Se Augusto não trabalha ainda vai trabalhar!? Continuamos nesta memória e matéria. Observei agitação e pessoas engalfinhadas em volta das mochilas. Augusto tinha sido acometido por um vómito que levaria um qualquer mortal ao desmaio: de joelhos às pedras.
A minha mochila jazia no chão, alvejada com o suco gástrico. O autor encontrava-se desaparecido. O estupor do homem passava os dias transparente ou contando piadas de humor televisivo rasca: mau gosto e brejeirice. Era óbvio que não tinha feito a pútrida jactância intencionalmente. Mas é humilhante encontrar os nossos objectos derramados por uma maré de vinho tinto e pequeno-almoço parcialmente digerido.

Não se apanham mosas com vinagre. O Augusto estava nas proximidades, mas onde. Alguns minutos depois foi encontrado. Os cães tinham dado com o corpo envolvido em toalhas e cordas, de borco, encovado num fosso de escoamento da água, ao lado do muro da propriedade. Morto de crise hepática, Augusto não voltaria às avenidas de Lisboa.

Traveler´s Digest

A voar em primeira classe

Entusiasmo e apreensão, nunca saberei separar nada. Ocupa os meus pensamentos uma necessidade de fazer tudo de uma forma clandestina, espírito ávido, modo de estar sovina; como um patrão à antiga. E assim fui voar na primeira classe feito missionário das telecomunicações; uma modernidade que muda de farpela.
Quando cheguei atirei-me aos clientes como uma história da Readers Digest, em que tudo terminará bem, com um sorriso, e um churrasco sibilando atrás de sebes das vivendas. Todos felizes partilhando entre amigos secretos barbecues, muita amizade e ligações.

Mudar de latitude

Os de cima e os de baixo. Existem diferenças, que é necessário esbater, são as mundividências. No fim de vender todos os telemóveis, fico a perceber que esta latitude do sul fica saturada. Terei de ir convencer outro samoano de outra parte do mundo. As vendas são vulcânicas, e como sabemos as ilhas muito dispersas e pequenas são um exíguo território para a glória, e no mar só funciona a rede para apanhar peixes. Cabrão do chefe!!!

Primeiro vendemos

Primeiro vendíamos bugigangas e depois vendíamos roupas, e também vendíamos espelhos. Não posso esquecer que lhes vendíamos mais tarde bíblias.
Com as últimas invenções da comunicação, quando saí do Bairro Social Esperança o meu chefe convidou-me para viajar em trabalho para a Samoa. O mais longe que tinha ido, também começa por S, e tinha sido a Suiça, no comércio dos relógios.
Levei o mínimo possível de roupa enquanto pensava no clima abafado. Era um conquistador de calções, de verdade bastante infantil. A flórida do mercado encontrei-a num bilhete de embarque. Custa cada vez mais convencer um português a adquirir um novo telemóvel; quer seja o terceiro ou quarto telemóvel, todos têm um telemóvel. O samoano se não tem, passando-me o guito ,vai ser levitado para o elevador da socialização tecnológica.

15 a 17 de Fevereiro de 2013
Oficina de Escrita Criativa 

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