Oficina de Escrita Criativa - Duas Histórias
Durante a Oficina de Escrita Criativa, realizada no passado mês de Fevereiro, resultaram alguns exercícios de escrita criativa, bastante interessante, realizados em grupo. Tempo é agora de os publicar. Espero que gostem, são por enquanto os duas histórias da minha autoria que passo a mostar-vos.
Poeira primeira do dia
Poeira, primeira do dia, vinda
do leste, acompanhada do sol. Temos os punhos e os pés numa profundidade
mineral, como aquele carrasco que roubou das rochas a sobrevivência. Pensei que
ao fazer calor fosse mais fácil. Agora não. Se o sol entrasse em mim. Mas não,
aqui no promontório rebenta ainda a primeira luz. No rio, a água vai assustada.
Espero mais um pouco pelo halo superior.
Desnoiteceu, e os rurais vão
encarreirados, até chegar à ariadne muito fio falta dobar. Desaparece,
desfalece na atmosfera o orvalho esganado com os primeiros golpes do sol.
Rebenta um cano de escape, um trotar dos cavalos mecânicos que interrompe a
écloga nos socalcos.
Augusto ficou para trás da
equipa. Plantou-se enquistado nas parras. O homem era tumultuoso e madrugador
na bebida. Tinha posto o pé na terra ontem vindo de Lisboa. Todos os anos
secretariava várias vindimas, não era um meritocrático do trabalho, apenas
secretariava as vindimas. Mas assim como recolhemos a casa todos os fins de
tarde, Augusto voltava da capital onde vivia recolhido nos cartões, ou
navegando à vista dos supermercados; caçava esmolas, e agregava-se juntos dos
sem abrigo. Um errante sui generis.
Se Augusto não trabalha ainda
vai trabalhar!? Continuamos nesta memória e matéria. Observei agitação e
pessoas engalfinhadas em volta das mochilas. Augusto tinha sido acometido por
um vómito que levaria um qualquer mortal ao desmaio: de joelhos às pedras.
A minha mochila jazia no chão,
alvejada com o suco gástrico. O autor encontrava-se desaparecido. O estupor do
homem passava os dias transparente ou contando piadas de humor televisivo rasca:
mau gosto e brejeirice. Era óbvio que não tinha feito a pútrida jactância
intencionalmente. Mas é humilhante encontrar os nossos objectos derramados por
uma maré de vinho tinto e pequeno-almoço parcialmente digerido.
Não se apanham mosas com
vinagre. O Augusto estava nas proximidades, mas onde. Alguns minutos depois foi
encontrado. Os cães tinham dado com o corpo envolvido em toalhas e cordas, de
borco, encovado num fosso de escoamento da água, ao lado do muro da propriedade.
Morto de crise hepática, Augusto não voltaria às avenidas de Lisboa.
Traveler´s Digest
A voar em primeira classe
Entusiasmo e apreensão, nunca
saberei separar nada. Ocupa os meus pensamentos uma necessidade de fazer tudo
de uma forma clandestina, espírito ávido, modo de estar sovina; como um patrão
à antiga. E assim fui voar na primeira classe feito missionário das
telecomunicações; uma modernidade que muda de farpela.
Quando cheguei atirei-me aos
clientes como uma história da Readers Digest, em que tudo terminará bem, com um
sorriso, e um churrasco sibilando atrás de sebes das vivendas. Todos felizes
partilhando entre amigos secretos barbecues, muita amizade e ligações.
Mudar de latitude
Os de cima e os de baixo. Existem
diferenças, que é necessário esbater, são as mundividências. No fim de vender
todos os telemóveis, fico a perceber que esta latitude do sul fica saturada.
Terei de ir convencer outro samoano de outra parte do mundo. As vendas são
vulcânicas, e como sabemos as ilhas muito dispersas e pequenas são um exíguo
território para a glória, e no mar só funciona a rede para apanhar peixes. Cabrão
do chefe!!!
Primeiro vendemos
Primeiro vendíamos bugigangas
e depois vendíamos roupas, e também vendíamos espelhos. Não posso esquecer que
lhes vendíamos mais tarde bíblias.
Com as últimas invenções da
comunicação, quando saí do Bairro Social Esperança o meu chefe convidou-me para
viajar em trabalho para a Samoa. O mais longe que tinha ido, também começa por
S, e tinha sido a Suiça, no comércio dos relógios.
Levei o mínimo possível de
roupa enquanto pensava no clima abafado. Era um conquistador de calções, de
verdade bastante infantil. A flórida do mercado encontrei-a num bilhete de
embarque. Custa cada vez mais convencer um português a adquirir um novo
telemóvel; quer seja o terceiro ou quarto telemóvel, todos têm um telemóvel. O
samoano se não tem, passando-me o guito ,vai ser levitado para o elevador da
socialização tecnológica.
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a 17 de Fevereiro de 2013
Oficina
de Escrita Criativa
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